25.8.11

O que é o comer, by Gonçalo*

Memórias póstumas de um bife de frango


Foi com alguma excitação que fiz a viagem, mal sabia eu...
Depois de tudo o que tinha acontecido, coisas que mal consigo descrever e que ninguém na sua vida devia ter de passar! Mas enfim, arrefecer um pouco, muita terapia e o sentido da inevitabilidade ajudaram-me bastante a aceitar o meu papel. Iria ser transformado, conjuntamente com os meus irmãos naquela cela plástica na refeição de alguém. Isto se tivéssemos sorte porque na realidade podíamos ser apenas declarados como as meras carcaças que somos e que Deus nos livre irmos parar ao "lixo". Nem sabia o que isso era, mas a mera palavra aterrorizava-me!
Hoje em dia?
Não sei. Quero acreditar que tudo isto tem um significado maior. Correcção... Preciso de acreditar. É importante sabermos o que precisamos e aceitar isso com naturalidade. Pelo menos assim acredito... Infelizmente para mim o papel que me coube no meio desta piada cósmica não foi no topo da cadeia alimentar, mas suponho que isso também encerre algum significado.
Regressado ao meu relato.
O momento em que nos libertaram da cela foi fantástico, já não víamos o sol há já não sei quanto dias, e aqui falo da luz natural, até aqui tínhamos sido empurrados de um lado para o outro variado apenas entre o escuro e aquelas luzes metálicas. Foi coisa que durou relativamente pouco tempo, mas calculo que qualquer tempo para mim seria pouco dado as saudades que tinha do sol.
A partir dai foi todo um doloroso processo que em algumas partes trouxe algumas dolorosas recordações, especialmente quando as laminas batiam violentamente contra mim e os meus irmão transformando-nos numa unidade. Outras partes trouxeram uma quantidade de experiências igualmente horríveis, porém completamente novas. Fiquei a saber que azeite quente dói!
Tenho de admitir porém que no final de tanto sofrimento, quando me vi a ser fotografado, tal e qual como se fosse para uma daquelas revistas de celebridades, me senti especial, e que me senti bonito. É uma sensação estranha depois de tudo aquilo que passei. Contudo quando eu pensava que tinha atingido o meu clímax, o meu céu, o meu nirvana, o meu orgasmo, eis que...
Eis que a piada cósmica entra em acção, demonstrando que na realidade não podemos confiar neste mundo de merda e que somos apenas um pequeno nada abandonados à sorte (ou ao azar?) neste calhau flutuante.
Comecei a ser desfigurado! Ainda mais cortado! Só queria que tudo chegasse ao fim! Mas a verdadeira piada foi quando ouvi nitidamente mesmo na garfada final: "Não, isto não serve, o frango fica demasiado seco, de volta aos testes."





* O que é o comer - by Gonçalo; mais informações em breve
A Simone agradece

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